Sejam bem-vindos ao blog Entre meninos e Homens , um espaço onde teremos a liberdade de expressar nossas meninices e defender nossas verdades de homens. Pois existem homens incapazes de confessar suas meninices e meninos impossibilitados de proferir idéias de homens.

Este será um blog universal, transcendente a religiosidade.

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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Calma ou corre?



O professor ouviu um ruído e foi olhar. No chão estava o Marquinhos, filho do vizinho, que tinha caído da varanda e sangrava profusamente. Mesmo sendo uma pessoa de idade, tomou o menino nos braços e começou a correr  desesperado para o hospital a poucas quadras. No caminho, vinha descendo a ladeira uma senhora que, ao vê-lo esbaforido, gritou: "Calma, professor... vai dar tudo certo. Não se apresse tanto. Deus vai ajudar... e o senhor já não tem idade para correr assim com uma criança no colo!" Ela então se aproximou e, em pânico, constatou: "Ai, meu Deus, é meu netinho! Corre, professor, corre, pelo amor de Deus."

O verdadeiro Deus está na urgência que reconhece no rosto  "um netinho", um seu. Até então aparece o deus da idolatria, respaldado muitas vezes pela fé que não enxerga a urgência do outro. A base das religiões bíblicas é o econhecimento de que o ser humano é a imagem e semelhança de Deus. Não reconhecer esta semelhança, seja num executivo do mundo financeiro nova-iorquino, seja num fanático islâmico, seja num negro africano desnutrido,seja num chinês que não parece diferente de outro chinês, é a prova dos noves do sucesso ou falência do establish ment  religioso (de todas as religiões) de levar a verdadeira mensagem a seus adeptos.

Há vários inimigos invisíveis que estão ficando visíveis 
nesta crise pela qual passa o mundo. Há o inimigo de uma civilização que nos aliena em relação ao outro. Uma cultura de fobia do outro e de sonharmos com um mundo de privacidade. Uma espécie de dessocialização que nos leva a ser novamente nômades e coletores. Nômades porque podemos estar em qualquer lugar, sem apreço e carinho pelo lugar; e coletores porque não plantamos para o futuro, apenas para o nosso breve futuro pessoal.

E a América não é este mal, apesar de muitos 
simbolizarem-na como tal. Afinal, este mal pode estar mais vivo na Arábia Saudita, com seus sheiks e monarcas trilionários, do que numa Nova York símbolo de integração entre raças, culturas e religiões. O mimado príncipe Bin Laden, que à moda de tantos filhos de nobres e milionários do Ocidente precisa de um hobby para dar sentido à sua pobre existência, é talvez mais ocidental do que seus seguidores o percebam. Sem deixar de reconhecer que o presidente Bush tem nas mãos o potencial de uma guerra devastadora, seja na crise em si ou seja em posturas como as assumidas nas questões de comércio internacional ou questões ambientais do planeta.]

Mas o inimigo invisível maior está nas próprias religiões. 
Não que elas estejam em guerra. Elas nunca estiveram tão aliadas como na atualidade. Elas se compreendem porque funcionam de forma muito semelhante. São elas a maior fonte de doutrinação da juventude, mergulhadas que estão nas idéias de "certo" e "errado". Afinal não foi desta árvore do "Certo e Errado" que comeram no paraíso como pecado maior?

É claro que os fundamentalistas e os fanáticos de cada uma 
destas tradições são o rosto deste mal, mas as tradições religiosas não realizam guerras santas contra esta heresia maior que é não reconhecer a urgência do outro. As tradições religiosas não são proféticas na denúncia de si próprias, no compromisso absoluto com a ética e com uma visão universal. E se o Islã hoje está em evidência, por mérito próprio, não escapa também o judaísmo com o fomento de fundamentalistas-nacionalistas. Não escapa a Igreja com seu corporativismo e idéias subliminares de salvação por uma única porta. Ou o fundamentalismo evangélico que vê satã por todos os lados, ou, em outras palavras, inimigos por todos os lados.

Enquanto as religiões não cerrarem fileiras contra sua 
própria heresia (esqueça-se a do outro!) elas serão parte do inimigo invisível. E não se trata de encontros ecumênicos e inter-religiosos como um cenário de papelão à frente de bastidores de intolerância e soberba.

O mundo marcha à guerra e não há vergonha maior do que 
a das religiões. Elas não vêem a urgência porque não ajudaram este mundo a compreender que qualquer morte é a de um netinho. Que se prestem hoje no século XXI como pano de fundo para terror e horror é um fracasso inominável, vergonha inocultável.

O século XXI chegou com esta surpreendente novidade: ou 
percebemos que é do "nosso netinho" que se trata a questão e não de um outro virtual, ou perecemos. Isto porque o futuro será cheio do "outro", ao contrário do que supunham os analistas. Falavam eles de um mundo de computadores, cada um trabalhando em casa, menos horas de trabalho, mais automatização, mais "eu" e menos "os outros" em nossas vidas.

Porém o mundo globalizado não é um mundo grande, é um 
mundo pequeno cheio de gente. O século XXI estará repleto do outro. É um outro cada vez mais numeroso - nunca existiram tantos outros em nenhuma era. E esse outro vive muito - nunca viveram tanto os outros em nenhuma era. É chegado o momento de abandonar o vício da busca de inimigos.

Os inimigos somos nós mesmos. E as religiões que não 
buscarem este inimigo em si são as religiões idólatras desta nova era. Não se trata mais de ser monoteísta, isso é passado. Trata-se de saber como cada uma delas honra este Deus único pelo respeito máximo a seu semelhante. Dizia George Santayana que "o fanatismo consiste no ato de  redobrar esforços por conta de se ter esquecido dos  objetivos".

 As religiões parecem esquecer seu objetivo maior que não 
 é reconhecer Deus apenas como sendo Um, mas cada ser  humano, Sua imagem e semelhança, como um ser único. E  pelos que morreram, vergonha sobre nós religiosos. E  pelos que irão morrer, mais vergonha! E quando estivermos vendo imagens pela televisão onde apareçam crianças ou  jovens ensangüentados, olhemos mais de perto - "serão  nossos netinhos".



Nilton Bonder, Rabino e Escritor

Texto publicado no Jornal O Globo

Um comentário:

  1. Bom o tema é bem pertinente ao tempo atual.
    Nunca se ouviu falar de tantas denominações como há hoje.
    Em cada esquina uma igreja, um rótulo, uma doutrina.
    No entanto, suas crenças vão bem mais em seus próprios interesses que a do reino.
    Falar só não adianta, o que temos que fazer é nos posicionarmos contra esse comércio religioso que se levanta e vestir a camisa do evangelho puro e simples, único capaz de mudar essa situação.
    Começando por mim e indo até você.
    Como?!
    Não aceitando mais este tipo de merchandising religiosa que tem ocupado o espaço de Deus no mundo, e boicotar todos os eventos e programações que levantam essa bandeira.
    Quanto menos espectadores, menos audiência.

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